segunda-feira, 23 de junho de 2014

“A morte do lidadoR”

Alexandre Herculano
Resumo de m. c. santos leite

O ginete murzelo, o lorigão de ferro,
e a boa toledana, armavam já
o venerando e destemido
Lidador da Maia;
Fronteiro-Mor de Beja.
Aquela seria a sua última
E bem dura peleja.

«- Senhores cavaleiros!
Hoje quero celebrar
com alma, este dia!
Quero festejar
Com uma entrada,
por terras de mouros…
para além da frontaria.»


Era Gonçalo Mendes,
a quem D. Afonso Henriques
nomeara Fronteiro-Mor de Beja.
E o venerando guerreiro
Quem insistia.
Querer festejar anos,
nesse dia…


«95 anos,
depois do Baptismo;
E havia oitenta,
que armas vestia.
70 que, depois de
armado cavaleiro,
contra ferros combatia!


«- Voto a Cristo!»
Entoou o Lidador.
Julho de mil cento e setenta
decorria.
E eram entrados já
na “alborada”
daquele dia!




    E o velho, que tal dissera
na sala de armas do Castelo de Beja,
«À lá fé!» bradara e,
a festa d´anos terminara!
Festa própria, mais de
mancebo cavaleiro, que de
velho capitão e venerando fronteiro!


Pelos píncaros de serras remotas,
via-se já o luzir de almenaras.
Almoleimar” à planície descia!
E o estropear de cavalos nossos
ao perto, se ouvia.
Cavalos à rédea solta, e em surdina,
voavam”, levantando pó pela campina.


    Como eram belas as cores,
das armas e o cintilar das cotas
ao Sol ardente do Verão!
Lá vai atrevida cavalaria,
em demanda de mouros,
por terras “deles…
Para lá da frontaria!”


«- A cavalo! A cavalo!»
Voltou o Lidador,
pr´á chusma de cavaleiros.
Do outro lado, se ouvia,
grande alarido!
Gritaria mourisca, medonha…
E o Lidador, logo fora respondido.

«- Allah! Almoleimar!»
E o Lidador bradara
«- Por Santiago»!
Mas o cavaleiro “Almoleimar”
à sua frente se postou!
E o grito da resposta:
«- Allah». Não tardou!




E o alfange do mouro com a
toledana do Fronteiro se cruzaram
e fazendo-se em pedaços! Faiscaram…
«- Perro maldito!
No inferno saberás,
Como as espadas de Gonçalo Mendes,
são mais rijas que as que tendes!


A carne já lhe saía
pelo lorigão descosido…
ensanguentado …
Roto!
De sepultura,o brado
do Fronteiro de Beja…
Já tinha soado…


Á roda dele, só cadáveres…
Membros destroncados!
A vitória era dos portugueses.
Os mouros levavam
vergonha, morte e dano.
Mas pensar que a vitória
saíra barata! Seria puro engano!


Viam o Capitão mortalmente ferido.
Afora escudeiros, pagens e os cavaleiros!
que tinham perdido!
Ao longe, os mouros,
deram meia volta ao correrio
e, bem, seguros,
gritaram em desafio:


«- Ali- Abu- Assam!
Deus é deus…
e Mohammed o seu profeta!»
Ali-Abu-Assam,
rei de Tânger; Sem tempo a perder;
viera de Mértola a Beja,
Almoleimar socorrer.


O velho fronteiro,
já semelhava espectro
erguido em campo de finados!
Mas, por onde
a luta ia mais travada,
para lá, e com fervor…
Sempre se encaminhara o Lidador!




Mas as forças já faltavam,
a cabeça do Fronteiro tonteava…
O cavalo solto… debandara1
E… D. Gonçalo Mendes,
da Maia tombara!
Era noite escura, depois de
oitenta anos de feitos, e de bravura.


Quem hoje ouvir recontar,
os bravos golpes que se deram
na veiga da frontaria de Beja,
notá-los-á de fabulosos… sonhados;
Próprios de homens corruptos e esfacelados.
Feitos, por nós urdidos e
mal contados!

Assim era a força e o ânimo
dos portugueses do século XII.
Feitos calculados a preço de terras;
de sangue e de vidas tombadas,
que tinham cobrado seu valor!
Foi Vitória, a custo elevado!
Ao preço da tenacidade do Lidador.


Enquanto o préstito,
a passo lento se movia,
um sacerdote templário,
com larga espada,
inda na bainha,
do Livro da Sabedoria,
salmodiava a palavra pia,

«- As almas dos justos
estão na mão de Deus
e não os afligirá
o tormento da morte!»


A morte do lidador”

A morte do Lidador está incluída em “Lendas e Narrativas” de A. Herculano.
O Autor recolheu-as de um apontamento do “ Livro de Linhagens”, de D. Pedro.

118 - NOTAS
2 - O Grande Lidador era descendente de um filho bastardo de Ramiro II, rei de Leão.
O cognome Lidador vem das constantes lides em que se empenhara contra os mouros.
4 – Beja foi reconquistada entre 1.232/34 passando daí a ser definitivamente portuguesa.
8 – “O quarto da modorra”. É “O quarto de turno da sentinela”, em que o sono se torna mais opressivo.

m. c. santos leite


D. Pedro IV

Fanecas Frescas, fritas… Fiadas!
Episódio passado em Pedras Rubras

 
No dia 8 de Julho de 1832, desembarcaram 7500 tropas, na praia de Pampelido da freguesia de Lavra, Matosinhos. Eram tropas fieis ao liberalismo e a D. Pedro IV , rei de Portugal e Imperador do Brasil.
.
O rei e o almirante Rose George Sartórios tinham por objectivo libertar a Pátria do “absolutismo” de D. Miguel e, implantar o “liberalismo” que se regeria por ideais democráticos já consignados na Constituição de 1822.


A 7 de Julho de 1832 a esquadra liberal passara à vista do Porto e dirigiu-se para Norte.
Em Vilar o telégrafo deu a notícia. O temor invadiu a cidade e logo os miguelistas fugiram. À noite os tambores tocaram a rebate pelas ruas da cidade em sinal de perigo, porém a esquadra continuou viagem.
Estas forças expedicionárias foram depois conhecidas pelos “ 7.500 Bravos do Mindelo”.
Tinham partido dos Açores, da Ilha Terceira e passado por S. Miguel. Vinham embarcadas em vários navios, sendo um deles a vapor.
Tentaram desembarcar na foz do Ave em Vila do Conde, o que não lhes foi consentido pelo brigadeiro José Cardoso de Meneses, obrigando-a a rumar para Sul ao encontro de local propício ao desembarque.
A esquadra, deslocando-se para Sul passara junto à costa, bem conhecida do comandante que sabia da existência de uma praia que oferecia as condições necessárias.
Diz-se que foram os conhecimentos que possuía da costa, que levaram a optar pela Praia de Pampelido, também conhecida por «Praia da Arenosa», “Praia dos Ladrões” e hoje “Praia da Memória”.


O desembarque em Pampelido começou pelas duas horas da tarde.
Pelas seis horas desembarcou D. Pedro que ordenaria um movimento de flanco sobre
Pedras Rubras. Pelas 8 horas da manhã entrava D. Pedro; e aí ficaram acampados no largo de Pedras Rubras.
D. Pedro procurou onde pernoitar e, ficou instalado, com o seu estado-maior, em casa do lavrador Andrade, onde existe uma placa voltada para a rua. Aí se lê que ali pernoitara D. Pedro IV.
Diz-se que os lavradores de Pedras Rubras fizeram grande negócio vendendo produtos alimentares e outros bens ao Exercito.
Para comer indicaram a D. Pedro uma adega próxima. O rei, ao entrar na taberna aparentava ser um oficial embarcado há muitos dias; cabelo comprido, mal cuidado e barba de oito dias.
O oficial perguntando o que havia para comer, foi-lhe dada resposta apontado somente um letreiro em que se viam (3 efes) f. f . f ., sem mais.
«- Mas… o que vem a ser isso? Perguntou o oficial.
«- Há peixe de “três efes”!»
«- Mas… que diabo de peixe vem a ser esse?»
«- Fanecas, frescas, fritas! Respondera o taberneiro»
«-Se não há mais nada, saíam as fanecas! Vamos nas fanecas». Respondera o oficial!
As fanecas frescas, vieram para a mesa, com pão e vinho.
Quando chegou a hora de pagar o oficial deu falta da carteira, apercebendo-se de que não tinha com que pagar.


Pediu que lhe trouxessem o pincel e a tinta com que tinham pintado o letreiro e logo manda que o tasqueiro acrescentasse outro ( f ).
«- Outro “F “ ? Quatro “efes”? Que quererá isso dizer!
«- Fiadas!
Retrucou o oficial.
« - Fanecas, frescas, fritas e fiadas!»
As fanecas eram tidas como sendo melhores comidas frias. Eram fanecas fritas com antecedência e deixadas no “mosqueiro” á espera de cliente. O oficial gostou das fanecas e entendeu que lhe serviram um bom petisco!
Sabe-se lá há quanto tempo já, não comia coisa que se visse?
«- Fiadas! Quero dizer que não tenho com que lhe pagar!
«- Esteja Vossa Excelência à vontade. – Resposta prudente do tasqueiro. «- Pagará quando por cá voltar!
«- Nem sei se voltarei!
O tasqueiro ficou «sufocado» com a partida do “fiado”, que não esperava. Esperava ver o seu dinheiro.


No dia seguinte o oficial voltou á taberna. e perguntou pelo patrão.
«- Patrão sou eu.» Responde um mocetão lá de dentro. - Não sou patrão mas é como se fosse. Vou casar com a filha dele!»
«- Então toma lá! Aqui tens duas libras para comprar um par de arrecadas para a tua noiva!
A partir daí a tasca ficara a ser muito conhecida e celebre pela história dos «três “efes.”


A estadia do Exército por Pedras Rubras tivera curta duração.
À partida o Povo delirou ao ver as tropas desfilar na direcção do Porto, em ordem, com tambores e fanfarra, à frente.
No dia seguinte, D. Pedro IV entrava na Praça Nova, no Porto, pelas oito horas da manhã.
A Praça Nova, recordando o “liberalismo” passou a chamar-se “Praça da Liberdade” e aí foi levantada a estátua equestre a D. Pedro IV, o «rei soldado!».


O taberneiro, ouvindo os bombos e a fanfarra, deixou a loja e veio à rua ver o espectáculo do Exército a desfilar.
Para grande surpresa reconhecera a pessoa do rei D. Pedro IV naquele oficial gadelhudo, que no dia anterior fora seu cliente e a quem tinha vendido «fiadas», todas as «fanecas, frescas, fritas» que havia no mosqueiro».
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m c santos leite