sexta-feira, 18 de abril de 2014

LÚCIA DE JESUS: UMA CARMELITA NO CORAÇÃO IMACULADO DE MARIA

Nas palavras do poeta Daniel Faria há os que nascem para escolher e os que nascem para serem escolhidos. Lúcia de Jesus estaria entre os últimos. Naquele 13 de maio de 1917, foi escolhida para uma história de amor que a levou para bem longe da Serra d’Aire, a montanha que a viu nascer e crescer e que ela tanto amou.

Ir longe significou, para ela, subir um outro monte, o Carmelo, para, ao jeito do profeta Elias, aí se oferecer plenamente à escuta do Deus que fala no silêncio. Se, na infância, ela escutara a voz de Maria, no relâmpago e na luz, é no silêncio “sob os claustros do Carmelo” (Santa Teresa do Menino Jesus, Manuscrito B, 3rº) que, a partir da sua juventude, ela encontrará Deus. Na intimidade silenciosa do convento, confiada nas mãos de Deus, ela será feita profeta da Mãe do Altíssimo para o nosso tempo perturbado e sedento de Luz e de Verdade.

A vocação carmelita é o espaço em que se cumpre o convite feito, já em Fátima, a Lúcia, a que se ofereça a Deus pela humanidade, e se torne mensageira do triunfo do Coração Imaculado. E, na verdade, os mestres do Carmelo apontam-lhe o caminho do discipulado.

Com João da Cruz, recordará que é o amor a sua única missão. A jovem carmelita certamente se comoveu ao rezar o Cântico Espiritual (28):
Minha alma Lhe hei dado
E tudo o que era meu ao seu serviço.
Não guardo já o gado,
Nem já tenho outro ofício
Pois é somente amar meu exercício.

 Se o seu fiat, dado ainda em criança, lhe revela o horizonte do amor de Deus, a sua entrega na vida religiosa irá aprofundar esta imersão no Mistério, num crescente de amor. Porque amar é o seu exercício: “A Mãe de misericórdia desceu até nós, Senhor, para nos introduzir no Oceano do Teu amor, onde essa chama ardente nos fará viver para sempre, esse mistério do amor dos Três por mim!” (Como Vejo a Mensagem , p. 44).

Ao jeito de Isabel da Trindade, que se sabia habitada pelo Deus Trino – “Parece-me que encontrei o meu Céu na terra, porque o Céu é Deus, e Deus é a minha alma” (Carta 122) –, assim se descobre Lúcia, alimentada pela mensagem que acolheu em Fátima: “esta Mensagem foi, para mim, a revelação do mistério de Deus presente em mim, e eu sempre presente em Deus, onde devo adorá-Lo, amá-Lo e servi-Lo com fé, esperança e amor” (CVM, p. 37). Com Teresinha do Menino Jesus, a quem Deus “deu a sua Misericórdia infinita, e é através dela que contempla e adora as demais perfeições divinas” (Manuscrito A, 84rº), Lúcia reconhecerá que também ela fora, desde sempre, objeto dos desígnios de misericórdia dos Corações de Jesus e de Maria, para ser instrumento da misericórdia de Deus, num mundo envolto pelo desamor, pelo conflito, pelo sofrimento e pela negação de Deus. Reconhece-se sempre um “fraco instrumento” (CVM, p. 57), mas sabe que Deus quer servir-se de instrumentos assim “para mostrar que a obra é Sua, e que é Ele […] quem leva por diante os planos da sua infinita misericórdia” (CVM, p. 57).

Em Teresa de Jesus, essa mulher que amou apaixonadamente a Igreja, Lúcia encontra uma das suas mais comoventes identificações no Carmelo. A religiosa de Ávila escrevia: “Em tudo […] me sujeito ao que ensina a Santa madre Igreja Romana e, se alguma coisa for contrária a isto, é por não o entender” (Caminho da Perfeição, Prólogo). Na Carmelita Lúcia encontramos a mesma humildade e o mesmo respeito filial para com a Igreja: “Não sei se o que aqui digo é tudo exatamente assim, se a Santa Igreja disser de outra maneira, dai-lhe crédito a Ela e não a mim, que sou pobre e ignorante, posso enganar-me. Isto é o que eu penso e não o que eu sei, que nada sei, a não ser amar e servir a Deus e ao próximo por Deus” (CVM, p. 35). O sofrimento de Teresa de Jesus face a uma Igreja dividida, é comparável ao de Lúcia face à dor do bispo vestido de branco que caminha com a Igreja subindo em direção à Cruz da escabrosa montanha. Ambas dão a sua vida em oração e sacrifício pela Igreja. E se as últimas palavras da Santa Madre são a de uma filha – “Morro filha da Igreja” –, o último gesto da vida de Lúcia é a leitura da mensagem que o Papa João Paulo II lhe enviara, palavra da Igreja, palavra amiga de alguém que reconhece que as suas vidas se cruzaram, no Coração Imaculado de Maria.

Lúcia encontrou a Virgem Maria no Carmelo, na sua espiritualidade. Em comunhão com Nossa Senhora, na imitação das suas virtudes, cada carmelita descalça aprende a seguir Jesus, até “ao pé da Cruz” (Caminho de perfeição, 26,8). A Mãe é modelo de total adesão ao Filho e de comunhão com o seu mistério. E, assim, Lúcia encontra no Carmelo o “refúgio e o caminho para Deus” que o Imaculado Coração de Maria lhe tinha prometido em 13 de junho de 1917.

No entardecer da sua longa vida, Lúcia certamente guardava viva a memória da Senhora mais brilhante do que o Sol, que “envolvida na luz de Deus” (CVM, p. 28) a tinha visitado. E se já desde a infância a sua presença a enchera de “uma alegria tão íntima” que parecia que já nada a podia separar dessa Senhora (CVM, p. 30), sentimo-la rezar, como Teresinha, no seu poema “Porque te amo, ó Maria!”, enquanto aguarda a Páscoa eterna:

Em breve no Céu formoso eu irei ver-Te
Tu que vieste sorrir-me na manhã da minha vida
Vem sorrir-me de novo... Mãe... chegou a tarde
.”

Acreditamos que encontrou de novo e para sempre o sorriso da Virgem Maria!

Ir. Ângela de Fátima Coelho, asm
Postuladora da Causa de Canonização de Francisco e Jacinta Marto

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