Quando
contemplo os nossos rios, e quero referir-me àqueles que ficam aqui
ao Norte do Douro até ao Minho, nas margens e nas praias marítimas
fico a pensar nos ricos romances históricos, ou lendários que por
aí se foram desenvolvendo e por aí estão perdidos e ocultos pelo
célere decorrer dos séculos.
Hoje,
procuramos compreender como eram penosas as deslocações por terra e
então, como alternativa, lá idealizamos o barquito à vela, que com
bom tempo e vento de feição ia percorrendo a costa transportando
povo em penosas deslocações; temerárias também pela imprevisível
pirataria que a frequentava.
Os
normandos eram temíveis já antes da chegada dos mouros, depois os
sarracenos vingaram-se depois de terem sido expulsos e passaram a
assolar toda a orla marítima e a pente fino.
Um
desses romances históricos, de que dificilmente nos podemos alhear
pelo seu sabor a lenda, entreabre-se quando enternecidamente
contemplamos os rios e estuários, as praias e as belas enseadas e
encantadoras povoações piscatórias, deste vetusto "Entre
Douro e Minho".
É
o romance do Rei Ramiro; a famosa lenda de que hoje não se sabe bem
quem teria sido o protagonista, se D. Ramiro I, se o segundo (2).
Nesse
tempo esta terra do Entre-Douro e Minho, era percorrida com
frequência, e foi assim durante muitos anos, pelas hostes guerreiras
quer de cristãos galegos, que aqui vinham saquear os mouros para se
refugiar de novo além Minho, quer dos mouros que por aqui corriam as
álgaras para se refugiarem em segurança ao Sul do grande rio Douro.
Conta
a lenda que D. Ramiro ou Ranimiro, a pesar de "casado e pai de
filhos" se teria enamorado da irmã do chefe mouro Albuazar (3)
senhor de Gaya. A negativa do irmão da "pretendida" levou
D. Ramiro a raptá-la levando-a para «Minhor» (4).
Como
represália "Alboazar" foi a Minhor, raptou a mulher de D.
Ramiro trazendo-a para Gaia".
O
Rei andava em operações lá para as Astúrias e ao saber do
sucedido chamo seu filho Ordonho e os vassalos e, navegando por aí
abaixo com cinco «galés», "vieram surgir" a "Sanhoanne
de Furada" (5) junto á foz do Douro.
Aí
Rei Ramiro escondeu os seus pelas florestas da margem do Rio e foi
postar-se próximo de uma fonte nas proximidades do castelo.
Da
manhã, enquanto o casteleiro andava à caça, a "covilheira
sergente" da rainha raptada, "Perona", indo à água,
à fonte, encontrou-o ali disfarçado de "mouro doente e
lazarado" a quem serviu água, pelo "antre" (6) onde o
mouro discretamente lançou, no vaso um anel, sem que a covilheira
notasse.
Quando
a rainha ao ser servida com a água lhe caiu o anel nas mãos, logo o
"mouro" foi mandado chamar.
«-
Rei Ramiro, quem te aduse aqui? - cá o teu amor;- e ella lhe dice
que vinha morrer, e elle respondeu, ca pequena maravilha.»
D.
Ramiro foi logo escondido num armário porque Alboazar acabava de
chegar; dali ouvindo a conversa entre o mouro e a rainha, responde:
«de máa ventura he
ho homem que sse fia per nenhuma molher»
Depois
do jantar a Rainha perguntou a Alboazar.
-
Se tu aqui tivesses Rei Ramiro, que lhe farias?
-
O que elle a mi faria! Mata-lo!»
Trazido
o prisioneiro Abencadão logo perguntou.
«-
És tu o Rei Ramiro ... - eu sou ... - a que vieste aqui? ...»
«-
Vim ver a minha mulher que me filhaste a torto. cá tu havias comigo
trégoas. e nem me catava de ti - vieste a morrer ... se metiveces em
Miñor, que morte me darias?»
«-
Abrira as portas do meu curral e faria chamar todas as minhas gentes,
que viessem ver como morrias e faria-te subir a um padrão, e
faria-te tanger o corno, até que te hi sahice o folego»
E assim foi feito.
Rei
Ramiro subiu ao padrão e tirando da cinta a trompa de corno, tocou
com quanta fôrça tinha o sinal previamente combinado a que
rapidamente acudiram o filho e os vassalos; entrados no curral do
castelo rechaçaram quantos mouros em Gaia havia.
Depois
«filhou o Rei Ramiro
sa molher e sas donselas»,
embarcaram e regressaram de rota batida.
já
afastados e desembarcando na praia aí descansaram; «D.
Ramiro deitou-se no regaço da Rainha, e a Raínha filhouce a chorar
e as lágrimas dela caíram a D. Ramiro no rosto acordando-o.»
O
rei perguntou-lhe porque chorava ela:
«-
Choro por mui bom mouro que mataste - e então o filho ... disse ao
padre - não levemos connosco mais o demo !»
«-
Mete dôr ! »... e
depois disso o monte ali ao lado ficou conhecido por
Monte d´ Ór !»
«Então
o rey Ramiro filhou uma mó, que trazia na nave, e ligoulha na
garganta e ancorouha no mar e dês aquella hora chamarão ´hi Foz d´
Ancora .» 7)
Por
instigação do filho Ramiro ordenou que botassem ao mar, «e
por este pecado que disse o inffante D. Ordonho contra sua mãe
disserom depois as gentes que por esso fora deserdado doos pobos de
Castela.»
«De
volta a Minhor, D. Ramiro foysse a Leon e fez sas cortes ..., e
mostroulhes as maldades da rraínha Alda sa molher e que elle avia
por bem de casar com dona Artiga, a irmã do chefe mouro", ... e
elles todos a louuvaram e ho ouveram por bem.»
«Deste
casamento descenderam os da Maia.»
1)
- A lenda do Rei Ramiro descrita nos Livros de Linhagens; Fragmentos
II e IV , (ed P.M.A., pág. 180/181 e 274/277) citada por Alberto
Sampaio - As Póvoas Marítimas, pág. 141 e seg.)
2)
- Outra versão refere "Mier" próximo de Salvatierra.
3)
- Alboazar para uns e Abencadão para outros.
4)
- As duas versões (cada uma em seu Fragmento) não são coincidentes,
nem se sabe hoje se foi passado com D. Ramiro I ou D. Ramiro II; os
nomes e as peripécias também não coincidem mas tudo isso adensa o
"mistério" e o carácter lendário de história sai por
isso mesmo valorizada.
5)
- S. João da Aforada, próximo da foz de Rio Douro.
6)
- "Antre" - entenda-se "vasilha"
7) - Fiz do Rio Âncora.
m.
c. santos leite
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